Na época em que Isabel nasceu eu, influenciada pela família, achava que se o bebê: (1) tivesse mamado há pouco tempo; (2) estivesse de fralda limpa; (3) estivesse vestido de acordo com a temperatura do ambiente; (4) não tivesse nada que o pudesse estar incomodando – como se eu soubesse tudo, né!? - ; e (5) já tivesse tomado remédio para cólica, recebido uma massagem, uma bolsa de água quente, etc., e ainda assim chorasse, era manha.
E então, quando Isabel começou a ‘chorar’, com quase um mês – até então ela só chorava para mamar e passava o restante do tempo dormindo – eu a deixava lá, chorando.
Mas com o passar do tempo algo começou a mudar. Alguma coisa dentro de mim me dizia que aquilo não estava certo. Eu ficava aflita ao ver minha filha chorar e não fazer nada a respeito. Ficava pensando na sua condição enquanto bebê, na sua dependência e vulnerabilidade. Comentei sobre isso aqui. Ela não entendia o quê ela era. Não sabia falar e comunicar claramente suas sensações e seus pensamentos. Não conseguia entender o que ouvia. Não enxergava direito e mesmo que o fizesse não tinha capacidade de entender as coisas. Se ela me visse sair de perto dela, como ela saberia que eu não estava indo embora para sempre? Ela não tinha discernimento ainda para isso. Levaria tempo para que ela o adquirisse, para que ela entendesse como as coisas funcionam. Se a fralda estivesse suja, como ela saberia que em cinco minutos, assim que eu terminasse de lavar a roupa, eu iria trocá-la e aquele incômodo cessaria?
Dentro do útero ela não passava fome, nem frio, não tinha cólicas. Ela nem sabia o quê essas coisas eram, nem que elas existiam! Estava sempre aconchegada e protegida, perto de mim. De um minuto para o outro ela se via numa dimensão totalmente diferente e cheia de ‘perigos’ e ‘ameaças’.
Aí comecei a entender que meu papel de mãe, ainda por cima de licença-maternidade, era justamente o de cuidar da minha filha. E que ‘cuidar’ não significava só alimentá-la, agasalhá-la, dar banho... Significava também ser seu porto-seguro enquanto ela se ambientava no mundo físico.
E passei a não deixá-la chorando. Na verdade eu não o fazia por nenhuma convicção. Fazia por instinto mesmo. Eu não gostava. E não era pelo barulho, pela distração em si. Era pelo que aquilo provocava dentro de mim. Era um chamado. E eu tinha que atendê-lo. Tá certo que nem sempre o fazia com todo prazer do mundo. Às vezes eu estava muito ocupada, com mil tarefas para realizar, ou no meio do banho e ela me ‘chamava’. E lá ia eu. Em parte me sentindo bem por ser quem a tranqüilizava mas em parte me sentindo frustrada por ser só isso e não poder ser nada mais do que eu era antes.
Enfim.
Eu quase não a deixava chorar.
Até que um dia, ao chegar em casa após uma semana internada com ela no hospital – depois eu falo disso – eu tive uma crise. Tinha passado a semana inteira sem dormir. Era um entra-e-sai de pediatras, enfermeiros, técnicos, fisioterapeutas, funcionários... além das mamadas dela. Eu não conseguia dormir. E quando eu pensei que finalmente conseguiria algumas horinhas de sono a Isabel desatou a chorar. Peguei-a no colo, dei-lhe de mamar, fiz carinho. Mas nada adiantou. Eu não sabia o quê fazer. Minhas costas doíam. Tentei amamentar deitada. Foi em vão. E aí eu me surpreendi. Quando me dei conta eu estava com minha filha nos braços, gritando com ela: “Isabel! Ajuda a mamãe! Pára de chorar!” e chacoalhando-a . E ela tinha cerca de um mês e meio.
Me envergonhei. Me senti culpada.
Minha irmã apareceu e disse: “Deixa ela chorar um pouco.” E assim o fiz. Me deitei ao lado dela e me desliguei do seu choro. Não dormi. Mas comecei a divagar. Fechei os olhos e fui pensando em outras coisas. Ignorando-a . Algum tempo depois, não me lembro quanto, mais calma, me levantei e dei-lhe um banho. Ela continuou chorando mas eu estava diferente. Mais controlada. Pouco depois ela fez um baita cocozão. Dei-lhe de mamar e ela dormiu.
E aí eu concluí que embora deixar o bebê chorando sempre, para ‘fazê-lo se tornar independente’ ou porque ‘é manha’ não estivesse de acordo com meu jeito de pensar, algumas vezes era necessário. Porque era melhor do que me tornar uma mãe esgotada, exausta, que, descontrolada, acaba mal-tratando seus filhos.
E assim passei a deixar a Isabel chorar de vez em quando. Era mais quando ela tinha dormido muito porque eu constatei que se ela não chorasse nem um pouquinho durante o dia ela – e eu, por tabela – dormia mal à noite. Outro motivo era porque às vezes eu sentia que seu choro era uma forma de ela extravasar a tensão por estar o tempo todo se deparando com coisas desconhecidas. E também era totalmente inviável ficar com ela o dia todo no colo. Eu não fazia nada além disso. A casa estava de pernas para o ar. Eu não limpava o banheiro havia semanas. As refeições consistiam de miojo ou pão, bolacha.. Eu não estava me alimentando bem e isso não deveria estar sendo bom para a qualidade do meu leite que ela tomava.
O que eu então fazia era que quando eu não podia lhe dar colo eu a deixava na cadeirinha e cantava para ela, ou ia lá fazer-lhe um carinho de vez em quando, lhe dar um beijinho, colocar a (santa) chupeta que tinha caído de volta na sua boquinha... O importante era fazê-la entender que ela não estava desamparada. Também não adiantava ficar com ela no colo rezando para ela dormir. Eu tinha que ter prazer em pegá-la no colinho. Pelo menos na maior parte das vezes pois é óbvio que isso não acontecia sempre.
Mas eu nunca entendi essa de deixar chorar para a criança se tornar independente. Como é que dá para a gente esperar que um ser que é totalmente dependente – para comer, para coçar o nariz, para limpar suas fezes e urina, para se locomover, etc. – seja independente? A independência vem com o tempo. E mais para frente com a educação que damos a nossos filhos a partir de uma certa idade. Mas com certeza isso não se aplica a um bebê de poucas semanas!
Aí eu comecei a ler blogs de mãe com mais freqüência e conheci o Carlos González. Nunca li sua obra mas me interessei pelo que eu via outras mães dizerem sobre seu trabalho. Não vou linkar aqui porque são muitas que falam dele e eu estou com pressa, hehehe. Basta dar uma olhada na lista de blogs que eu sigo. E gostei do que ele disse. Apesar de não concordar com tudo. Da forma que ele escreveu – repito que não li tudo, apenas trechos – ele me pareceu meio categórico, radical demais. E eu adoro um equilíbrio. Acho que ele faz um pouco de terrorismo e faz as mães se sentirem culpadas se não carregarem seu rebento a tiracolo 24 horas por dia, 7 dias por semana. E isso não é nem um pouco prático, pelo menos na sociedade de hoje. Sem falar nas mães que já têm outros filhos que também demandam sua atenção.
De qualquer maneira, achei legal que um pediatra tivesse publicado um livro que ia na contra-mão da crença (já não tão) predominante de hoje de que temos que tratar nossos bebês como robôs, ou como cachorros que devem ser adestrados. De que devemos criá-los olhando tudo pelo lado racional e nada pelo lado emocional. De que devemos seguir regras inflexíveis em vez de nos deixarmos ser guidas pelo nosso milenar instinto maternal.
Enfim.
Assim foi durante um bom tempo. Eu quase nunca deixava a Isabel chorar e apesar das críticas dos familiares me sentia bem com minha decisão. Eu estava seguindo meu instinto. E havia pessoas que concordavam comigo e me faziam sentir ainda mais segura da minha forma de agir. A Isabel começou a me dar sossego e a chorar menos. Eu creditei isso ao fato de ela ter sempre sido atendida quando solicitava companhia. Ela sabia que não estava sozinha e portanto não se desesperava tanto quando não estava no colo pois sabia que bastava chamar e eu iria lá. Quando eu pensava no quão rápido ela vai crescer e também no fato de que eu logo teria que voltar ao trabalho, ficava ainda mais certa de que dar bastante colinho e atenção a ela era o melhor a fazer pois depois eu iria - e vou - sentir muitas saudades dessa época.
De vez em quando batia um certa dúvida, com certeza. Eu não vivia com ela no colo, só não a deixava chorando. Mas mesmo assim eu ficava me perguntando se eu não estava deixando-a mal-acostumada. Tinha medo de que na escolinha não lhe dessem tanta atenção e ela fizesse escândalo. E de que ela virasse um bebê chorão.
Mas mesmo assim segui firme e forte. Mesmo porque, ao contrário do que sempre me haviam dito, eu ainda não sabia diferenciar seus choros. É claro que com o tempo a gente aprende uma coisa ou outra. E a gente sabe se eles estão com a fralda suja, se estão bem-alimentados e tal. Mas isso demorou muito mais do que eu esperava. E para falar a verdade ainda há vezes em que ela chora e eu não sei o motivo. Ou em que ela chora e eu só vou descobrir o motivo horas mais tarde - um cocô que teimava em não sair, a vontade de tomar banho - sim! - o sono, gases, um fio de cabelo na boca incomodando-a, um brinquedo escondido atrás da cadeirinha irritando-a... enfim.
Quando eu pensava sobre a possibilidade de ela se tornar um bebê chorão, eu me confortava com a certeza de que quando ela já tivesse na idade de fazer manha, quando ela já estivesse amibentada ao mundo e chorando só de 'malandra', quando estivesse me 'manipulando' mesmo, aí eu pararia de dar colo o tempo todo e começaria a 'impôr limites'.
O que eu não sabia é que essa idade chegaria muito mais cedo do que eu imaginava! Pensei que seria por volta de um ano de idade, quando a criança começa a aprender a falar e a andar. Mas para a Isabel essa idade chegou aos cinco meses, e eu infelizmente não me dei conta. Digo 'infelizmente' porque foi uma época dura, como relatei aqui. Eu atribuía seu choro constante à chegada de sua primeira dentição. De fato deve ter sido uma das causas porque ela voltou a soltar muito pum e a se contorcer toda, a coçar a gengivinha sem parar... Mas mais tarde vim a descobrir que não era só isso.
Foi difícil porque eu não dava conta. Ficava esgotada e brava - comigo mesma e com a Isabel. Me perguntava se não era manha mas não tinha certeza. Afinal, como saber, sem dúvida nenhuma?
Brigava com ela - em voz alta... sou assim meio doida mesmo, rs - e daí me sentia culpada. Pensei em ler o livro da Laura Gutman sobre maternidade e o encontro com a própria sombra, mas me faltava tempo. Mas por sorte nunca mais a chacoalhei ou fiz algo do gênero.
E então, um belo dia, a Isabel chorando sem parar, eu a pego no colo. Aí eu preciso ir ao banheiro. Coloco-a na cadeirinha e ela solta o berreiro. Enquanto isso minha irmã vem e a pega no colo. Passado um tempo ela a põe de volta na cadeirinha e... Isabel fica lá. Toda tranqüila, calma, tagarelando. Mas assim que eu saio do banheiro e ela me vê... Adivinhem! Ela desata a chorar.
Foi aí que me dei conta. E comecei a ligar os pontos. Quando a Isabel ficava com minha irmã mais velha enquanto eu trabalhava, ela só chorava para mamar, segundo minha irmã. Não fazia manha e não dava trabalho. Na escolinha as tias diziam que ela era súper de-bem-com-a-vida. Mas comigo ela era chorona...? Hmmm...
A gota d'água foi na primeira sessão de fisioterapia. Chegamos. Fazia um calor do cão. Passei-a para a fisio e fui tomar água no bebedor. Ela disse que enquanto eu ia tomar água ela já ia começando com os exercícios. E assim que retornei à sala Isabel começou a chorar.
- Nossa, mas ela estava indo tão bem até você chegar...
E ficou se esgoelando a sessão toda. De vez em quando a fisio me dava ela para eu acalmar já que seria contra-producente estressá-la demais. Mas era só a fisio fazer o movimento de quem vai me entregar a Isabel que esta parava de chorar no mesmo instante.
E então eu tive a prova de que ela já estava começando a fazer manha. E de que já estava na idade de eu começar a deixá-la chorar de vez em quando antes que ela vire uma daquelas crianças que dá showzinho, pití nos lugares mais inapropriados. Antes que ela vire uma criança mimada que não aceita que as coisas não sejam do seu jeito. Eu já reparei que ela anda muito preguiçosa quando eu estou por perto. Não quer saber de rolar, de brincar com seus brinquedos, só quer saber de ficar comigo, no colo. Mas na frente dos outros, na minha ausência, ela fica muito mais ativa e exploradora.
Não está sendo fácil. E eu sabia que não seria. Sou defensora da idéia de que as pessoas estão livres para escolher o que quiserem na vida contanto que elas estejam cientes das possíveis conseqüências negativas de suas escolhas - na medida do possível, é claro. Mais cedo ou mais tarde esse momento chegaria.
É complicado porque nem sempre você sabe se é manha mesmo ou se a criança está com dor ou algo assim. A gente vai pelo instinto, com a certeza de que nunca teremos certeza. Eu também estou tentando fazer a transição da maneira mais light possível porque se eu o fizer de forma brusca a Isabel vai sentir, e todo amor e carinho e colinho que venho lhe dedicando até agora vão ter sido em vão. Ela vai ficar traumatizada.
Mas assim vamos indo, aos trancos e barrancos.
Se eu daria todo colinho do mundo a ela quando ela era bebê de novo? Sim. Pelos mesmos motivos que relatei aqui em cima. Até porque a Isabel é um bebê feliz e eu acho que o fato de eu ter estado sempre lá para ela no início de sua adaptação foi um fator importante. Eu só a teria estimulado um pouco mais em vez de só ter dado colinho. Teria 'brincado' mais com ela, mesmo quando bebê recém-nascido, para que ela fosse um pouco mais ativa.
Mas, principalmente eu teria ficado mais atenta para o fato de que as 'manhas' começaram muito antes do que eu imaginava!