...
Outro dia estava eu a conversar com uma aluna particular de dezesseis anos. Ela é toda exótica. Diferente. Num dia está vestida num estilo gótico. No outro, roqueiro. No outro, patricinha. E todos os alunos a consideram 'estranha'. De fato ela destoa dos demais. Mas desde que comecei a dar aulas para ela descobri um ser humano incompreendido. Uma garota afável e que como qualquer adolescente - ou adulto, por quê não? - está ainda procurando se encontrar, descobrir quem é e o quê quer ser.
Conversávamos acerca de carreiras e a dificuldade da escolha, e por fim chegamos ao tópico da influência dos pais sobre a mesma. Me confessou que procura ser boa aluna para tentar obter a aprovação da mãe e, quase lacrimejando, me disse que vez ou outra é obrigada a trocar de roupa antes de sair de casa sob alegações da mãe de que "as pessoas na rua vão pensar que você é lésbica!".
Não vou comentar o absurdo de uma afirmação dessa, principalmente vindo de uma mãe, porque não é o foco do post. Mas o que mais me tocou - fora o absurdo da afirmação! - foi o fato de esta garota se importar com o que a mãe pensa dela. Sinceramente. Se você olha para ela você vê uma rebelde. É a última das minhas alunas que eu pensei que se importaria com o que a mãe diz!
E aí eu me lembro de uma reportagem no Fantástico uns tempos atrás. Era uma daquelas pesquisas instantâneas por telefone: os telespectadores ligam e votam. A pergunta em pauta era dirigida às adolescentes: "Qual sua maior influência?" (não eram exatamente essas as palavras mas era essa a idéia).
Nas categorias disponíveis figuravam amigas, modelos, cantoras, atrizes, escritoras, comerciais, etc. E sabe quem ficou em primeiro lugar?
Pois é.
Ela. A mãe.
E aí comecei a pensar na minha própria mãe e no quanto ela me influenciou e me influencia. Querendo ou 'sem querer querendo'. Foi bastante iluminador ponderar sobre o assunto.
Não trarei aqui todas as minhas reflexões mas trago algumas pertinentes à maternidade.
Eu sempre, sempre, sempre quis ter parto normal, com o mínimo de intervenções. E aí me dei conta de que isso se deve à influência da minha mãe - fora algumas características da minha personalidade. Ela fez três cesáreas não-eletivas e freqüentemente discorria sobre o quanto o parto normal era melhor, sobre a cicatriz da cesárea, o doloroso pós-parto / pós operatório, etc.
Também minha mãe parou de trabalhar quando minha irmã mais velha nasceu para poder cuidar melhor dela. Só que o que era para ser um breve hiato na sua carreira como arquiteta apaixonada pelo ofício se tornou um abandono perene. Ela jamais retomou a profissão. Nem qualquer outra. Ela simplesmente nunca mais trabalhou na vida. E sempre falou disso com ressentimento - embora tenha sido uma opção dela.
Ela nos dizia que tínhamos que ser mães sim. Mas que tínhamos que contratar uma boa babá para nos ajudar. A babá não deveria tomar nosso lugar como mãe. Tínhamos que ser sim a mãe dos nossos filhos. Mas uma babá para nos ajudar era imprescindível - ela mesma nunca quis contratar uma apesar de ter condições para tanto. Nunca gostou de delegar os cuidados com a gente, em parte por medo de nos deixar nas mãos de estranhos.
Ao mesmo tempo tínhamos que continuar trabalhando. Tínhamos que ter uma profissão brilhante. Ganhar nosso próprio dinheiro para não depender de marido nenhum. Sermos valorizadas e termos sempre um 'assunto diferente' para trazer para casa. Fazermos amizades e mantermos interesses e projetos pessoais. Não nos tornarmos mulheres 'cri-cri' (que só falam de CRIanças e CRIados).
E aqui percebe-se o porquê dessa posição dela. Ela certamente se sentia diminuida por não ter uma renda própria. Por depender financeiramente do meu pai. Por não ter outro assunto para falar com ele senão aqueles que nos tocavam a nós filhas. E ela seguramente sentia que tinha abdicado de sonhos, da sua realização profissional e pessoal para cuidar de nós e da casa. Para 'ajudar' meu pai a ser o profissional que ele se tornou.
E toda essa postura, esses pensamentos, advinhem? Sim, me influenciaram e me influenciam até hoje. Apesar de a minha vida ser diferente da dela. Ela se encontrava em uma situação onde tinha uma condição financeira e sentimental bem diferente da minha. Hoje meus pais são separados. Só que tudo isso não importa. A influência do discurso dela é mais forte.
Eu não tenho condições de parar de trabalhar. Mas, quando leio posts sobre o assunto como este, da Mari, paro e penso: " Se eu pudesse, eu iria querer parar de trabalhar?". Acho que talvez de uma pausa de um ano e meio mais ou menos eu gostaria. Mais do que isso não sei. E fico pensando: "Será que não é influência da minha mãe?"
E essa tem sido uma das perguntas que eu mais tenho me feito ultimamente. Parando e tentando ver até que ponto eu sou apenas uma extensão dela - de suas opiniões, seus preconceitos, seus medos, seus anseios - e até que ponto eu sou eu. Digo isso porque minha mãe foi a figura mais importante na minha vida até o meu marido entrar em cena. Meu pai trabalhava e minha mãe era quem cuidava de nós. Óbvio que todos somos uma mistura de influências - da mãe, do pai, do irmão, do patrão, de gente que a gente admira e de outros que nem tanto. Uma mistura dessas influências com a nossa personalidade, nosso espírito e nossa mente. Mas é inegável o impacto de uma mãe numa filha.
E quando me canso de me questionar sobre o tema me vem outra preocupação na cabeça. Ontem mesmo eu estava dando comida para a Isabel. Ela esticou o bracinho como que tentando meter a mãozinha no prato de bananinha amassada. Mas antes parou. Me fitou. Procurou aprovação. E só então, quando esta foi obtida, ela se permitiu se lambuzar toda de papinha.
Que tipo de influência eu vou passar para ela ao longo de sua vida? É melhor eu me pré-ocupar com esse assunto pois certamente ela não sera delével.